Loverboy

Acontece-me muitas vezes, pelo menos de três em três meses, pensar que não deveria ter escolhido nem pintura nem bd, porque qualquer uma delas não me tem dado muita coisa, ou seja: miúdas, festas, jantares de borla e dinheiro.

O pior de tudo, pelo menos para mim, é que o apoio da minha mãe tem vindo a esmorecer de ano para ano, acompanhando a já pouca esperança que ela tem de me ver na televisão ou nos jornais. Por isso, de três em três meses, acordo a pensar que deveria ter optado por ser músico, não propriamente baterista ou guitarrista, mas, isso sim, vocalista. Ser vocalista de uma banda é para mim, e nesses maus momentos, a tábua de salvação para o meu ego, para a minha vida. Poderia não cantar muito bem, eu canto mal, não ser muito bonito, não sou, ou sequer ter atitude, não tenho, mas isso não seria muito importante aos olhos das miúdas, e da minha mãe, claro.

Isto tudo para dizer que há dias em que eu sou um Loverboy, mas um Loverboy imperfeito, um desses que não tem coragem para reunir dois amigos com gostos diferentes do meu, paciência para aturar teenagers imbecis, dar uma foda mal dada só por dar ou mostrar que não sou racista, porque a gaja boa também é. Nada disso, infelizmente a minha coragem e a minha falta de cinismo só me deixam ser autor de bd. Eu nunca serei um Loverboy, pelo menos como o de Marte e o de João Fazenda, vicioso o suficiente para fazer passar por puta a gaja que lhe roubou o lugar de vocalista, pós-moderno foleiro quando pergunta “Não estás chateada por não termos tido um orgasmo em conjunto?”, e cínico quanto baste para só usar t-shirts com nomes de bandas quando pertence a uma.

O percurso desse Loverboy perfeito que é descrito nestes dois livros, um primeiro focando a sua carreira como músico e o outro como estudante universitário, onde este diletante frívolo e manipulador se move apenas com um objectivo, o sexo. Isto à custa de muitos exercícios de dupla personalidade, adaptando-se de imediato, como um camaleão, aos gostos das mulheres que vai conhecendo.

É aqui que reside todo o potencial de Loverboy, porque é dessa adaptabilidade social, moral e sexual que os anos 90 estão cheios. Basta olhar para as populações urbanas com uma faixa de idades compreendidas entre os 16 e os 20 anos, para encontrar bons exemplos: o contestatário que tem posters do Che Guevara na parede, mas veste Quicksilver e almoça no MacDonalds; a universitária bem informada que ouve axé, mas vai a concertos dos Marylin Manson; o teenager que pratica desportos radicais e se preocupa com o corpo, mas farta-se de beber e fumar pó; há de tudo e para todos. Enfim, lendo estes dois volumes fiquei a pensar nisso, e também que João Fazenda é definitivamente um dos meus desenhadores favoritos (repararam que eu não disse desenhadores nacionais?), e que Marte é um argumentista sórdido, mas perspicaz. Com o breve intervalo de tempo, deixaram para trás os trocadilhos fáceis e a caricatura simplista de um grupo, como se vê no primeiro livro, e seguir para um universo mais complexo e aberto, o da universidade, no segundo.

Naquilo que será uma aproximação certeira à realidade, aquela que falta para que Loverboy dê o salto e consiga ser aquilo que todos nós esperamos dele, um Tom Jones do próximo milénio.

Loverboy, O Rebelde
Loverboy, A Faculdade são Dois ou Três Livros
Marte e João Fazenda
Edições Polvo – 48 pp, PB

Texto publicado na revista Quadrado, Volume 3, Nº1, Janeiro de 2000.