O Manuscrito Durruti

A ideia maior dos autores de Impostores Intelectuais, tradução literal, é muito simples e estimulante: de que é feito o pensamento pós-moderno. A conclusão a que chegam Alan Sokal e Jean Bricmont, ambos professores universitários de física, um em Nova Iorque e o outro em Lovaine, é a de que o discurso pós-moderno é antes de tudo um jargão, ao serviço da ideologia e não da honestidade intelectual.

Apontam o dedo, e analisam caso a caso, autores como Lacan, Kristeve, Irigay, Baudrillard, Deleuze e Guattari. A coisa é fácil de perceber, se a pós-modernidade é uma alternativa à modernidade, então, deveria ter um discurso intelectual limpo e claro, e não um discurso que se baseia no obscuro, no hermético, e que é construído a partir de incursões mal sucedidas às ciências puras para lhe conferir uma certa credibilidade. Infelizmente, os efeitos disso também se fazem sentir entre nós, o que é muito normal entre as gerações mais velhas, sintoma da influência francófona, mas que é de todo anormal nas gerações mais novas, onde a clareza do discurso anglo-americano ainda não foi apreendida, contrariando a apreensão de todos os outros tiques culturais. Por isso, usar citações incendiárias e palavras de significado complicado é recorrente, porque é também o caminho mais fácil para serem sérios, e portanto, serem levados a sério pelos outros. Usando uma citação – percebem a ironia da coisa? – de Alan Sokal e Jean Bricmont: os estudantes aprendem a repetir e a melhorar discursos que não entendem. Com sorte podem mesmo chegar a professores universitários com isso, basta tornarem-se especialistas na arte de manipular o jargão erudito. Acrescento: se isto é válido para chegar a carreira universitária, também o é para quem quer chegar a outro lado. Na arte, por exemplo.

O que é que este livro tem a ver com O Manuscrito Durrutti de Rafael Gouveia? A verdade é que eu li o Manuscrito e não percebi nada, pior, li três vezes e continuei sem perceber nada, nem sequer se aquilo que acabara de ler era uma história ou não. Por isso pensei: o melhor a fazer é escrever sobre um livro interessante.

O Manuscrito Durruti
Rafael Gouveia
Colecção Lx Comics, nº3
Bedeteca de Lisboa – 20 pp, PB

Texto publicado na revista Quadrado, Volume 3, Nº1, Janeiro de 2000.