O Smithsonian prepara uma exposição sobre a história dele. A Elle, Vogue ou Wallpaper usam-no nas produções de moda. Laura Ashley e Ralph Lauren perceberam que vale a pena continuar a desenhá-lo. Magritte trabalhou alguns anos numa fábrica, mas executou mais do que aqueles que desenhou. Pessoa falava do fingidor, talvez do pintor-fingidor, aquele que fingia no papel materiais como a mármore ou o gesso. Willam Morris não queria que as paredes da Red House em Kent ficassem nuas, por isso tratou de desenhar e pintar verdadeiros clássicos. O papel de parede, uma chinesice que nesta década parece quer voltar em força às paredes das nossas casas.
A história do papel de parede é admirável, tem tanto de anónima como de célebre, cruza-se e mistura-se com tantas outras, e tantas vezes, sem que alguma vez tenhamos dado por ou pensado nisso, e isto é ainda mais admirável principalmente se tivermos em conta que somos capazes de passar o dia inteiro perto dele. É aí que parece estar toda a razão da existência do papel de parede, estamos perto dele, mas nunca com ele, ignoramos a presença, e nada de contemplações ou interrogações, porque o olhar é indiferente. O papel de parede limita-se a estar nas casas, onde supostamente é a aparente visibilidade que faz com que umas coisas sejam mais importantes do que outras. Assim, a importância do papel de parede é, digamos, absurda, porque compramos, cobrimos as paredes todas e depois esquecemos. Até que um dia uma das pontas, aquela do lado esquerdo, mesmo ali no canto, começa a descolar, e de repente somos obrigados a arrancar tudo, mas antes que isso aconteça, o melhor é percebermos que afinal as paredes também podem falar. Primeiro em chinês, duzentos anos antes de Cristo, quando os chineses começaram a usar papel de arroz para forrar as paredes, no início branco e sem qualquer tipo de decoração, pouco depois ganhou cor e recebeu motivos. Acabou por chegar à Europa mais tarde, mas muito mais tarde, por volta do século VIII e pelas mãos de comerciantes árabes, as mesmas que arrancaram de um prisioneiro chinês todas as explicações: como se fazia, aplicava e decorava. Do lado de cá, os franceses e os ingleses receberam-no com alguma estranheza, mas acabaram por gostar, tanto que começaram a produzir os seus próprios papéis de parede, ainda que se limitassem a desenhar variações sobre os motivos chineses. Daí a expressão chinoisserie, ou seja, chinesice, que os franceses utilizavam para designar esse estilo de papel em particular, mas que agora é usada para qualquer papel de parede que tenha um ar vagamente oriental. Seja ele inspirado em motivos indianos, japoneses ou chineses.
O papel de parede mostrou-se lucrativo e as casas francesas foram as primeiras a unirem-se para poderem produzir mais e melhor. O primeiro investimento foi em novos desenhadores, apesar disso só com a chegada de artistas renascentistas italianos a França, em meados de 1500 e a convite de Francisco I, é que surgiriam padrões totalmente europeus, e com eles uma ideia espantosa: papéis com varandas ou janelas abertas para jardins e lagos. Enganava-se quem queria, e quem tinha dinheiro para isso. Apesar de tudo, existiam ainda vários problemas por resolver: as folhas continuavam a ser demasiado pequenas, a qualidade da reprodução mediana e um ritmo de produção muito lento. Tudo resolvido, num golpe mais perspicaz mais do que genial, pelo gravador Jean Papillon em 1675, ao aplicar no processo de fabrico o mesmo princípio utilizado na gravura, a passagem dos desenhos para blocos de madeira. O que viria a possibilitar, também, o uso da cor sem restrições técnicas e abrir o caminho para a mecanização. Coloridos e nada caros os papéis de parede passaram a ser a escolha certa para qualquer bolsa, e a moda, essa, popularizou-se definitivamente no século XVIII. Século em que se seguia de perto o bom gosto das casas reais, principalmente as francesas, onde foram vários os reis que menos pouparam em papel de parede e mais modas ditaram: Luís XI, encomendando anjos sobre fundo azul a Jean Bourdichon; Luís XV, exigindo o rococó sem limites a Jean Pillement; Luís XVI, abandonando de vez a chinoisserie e decretando os papéis com motivos românticos, ou clássicos.
Os Países-Baixos e a Inglaterra estavam atentos àquilo que se estava a passar nas paredes francesas, e os ingleses, principalmente londrinos, tentaram o primeiro lugar na corrida às lojas. O Chippendale, inspirado no rococó, e recebendo o nome do desenhador de móveis Thomas Chippendale, passou a ser o papel mais vendido e procurado de Londres. O Chippendale foi motivo de inúmeras variações, nenhuma delas muito bem sucedida, de resto, e até ao final de 1700, os ingleses continuavam a ter um fraquinho pelos papéis com frisos e ornatos em mármore, de preferência pintados à mão pelos pintores-fingidores. Isso mudaria em 1814 com a importação da máquina de impressão a vapor inventada pelo alemão Konig, que não só fez com que o Times saísse mais cedo, mas também conseguiu que o processo de fabrico do papel de parede sofresse melhoramentos, trazendo consigo inovações. Entre elas o flock, um papel de parede que não pode ser feito sem a ajuda da máquina de Konig e de uma outra que espalha com precisão fibras de algodão e seda sobre a tinta ainda fresca, donde resultam, pela transparência e sobreposição, motivos com relevo. Nem a própria Rainha Victoria escaparia a esta particularidade do flock, mandando forrar as paredes de Hampton Courts para a sua lua de mel com Albert.
A progressiva industrialização dos meios de produção acabou por levar a uma quebra na qualidade artística, sendo neste contexto que surge o movimento Arts & Crafts, com um muito activo William Morris disposto a recuperar a figura do artífice-desenhador. A Red House era o exemplo perfeito daquilo que Morris pretendia demonstrar, por isso nada melhor do que desenhar papéis de parede para a nova casa, todos duma simplicidade e beleza espantosa. O que não voltaria a acontecer depois, onde motivos complexos e paisagens inspiradas nos papéis dos séculos XVI e XVII eram o mote para os padrões. Morris acabaria por tirar partido dos padrões alegres e florais do chintze (um tecido usado em cortinados e capas para móveis) aplicando-os ao papel, e vice-versa. Esta atitude artística não teve bons resultados, basta dizer que os ingleses usam a expressão chintzy para tudo o que seja de mau gosto. A mistura entre padrões e suportes levaria a industria, a mesma que Morris tanto combatia, a lançar no mercado o papel para crianças e o lavável. Pequenos deslizes que no entanto não impediram a descida do nível artístico inglês, com firmas inglesas como a Jeffrey and Company ou a Shand Kydd a contratarem pintores e arquitectos, ganhando notoriedade e clientes. A Arte Nova, mesmo na viragem para o séc. XX, adaptou-se, planeava tendo em conta a produção industrial, e sem deixar de dar uma certa continuidade às ideias de Morris, reafirma o conceito de casa unidade através da atenção a dar à decoração dos interiores. Renascem os motivos florais, aos quais se juntou a chinoisserie, agora sim, inspirada também em motivos japoneses e indianos. É por esta altura que surgem os primeiros decoradores profissionais.
No início os americanos importavam papéis de Inglaterra e França, mas a chegada das máquinas de impressão fez com que Boston, Nova Iorque e Filadélfia, donde saíram os primeiros rolos em 1739, fossem os grandes centros de produção do país. Como é óbvio os americanos copiavam as tendências europeias, e só por volta de 1790 surgiram os primeiros estilos americanos, ainda que não passassem de variações menores sobre o estilo vitoriano. O mais bem sucedido desses estilos foi o Federal, que não era apenas um exclusivo dos papéis de parede, mas fazia parte duma linha de móveis e objectos de decoração desenhados e fabricados por Duncan Phyfe, numa homenagem ao recém formado governo federal do Estados Unidos. Este exacerbado sentimento patriótico dos americanos levou-os a produzirem vários papéis comemorativos, muitas vezes utilizados para decorar tambores durante as comemorações. Os anos 20 trariam para os americanos uma verdadeira mudança no gosto, enquanto Louis Tiffany dava a conhecer a Arte Nova, os decoradores Wharton e Codman batiam-se pela simplicidade aconselhando que a usar, os papéis de parede deveriam ter tons suaves, motivos geométricos discretos, tudo para que o chintze utilizado nas cadeiras e nos cortinados funcionasse sem ferir o bom gosto.
A ideia de Wharton e Codman não resultou, o mau gosto inato dos americanos e a visão glamorosa de Elsie de Wolfe (a rainha americana do chintze) ditariam outra regra: os motivos floridos e de cores alegres do chintze deveriam ser aplicados em todo o lado: papéis de parede e tecto, cortinados, cadeiras e toalhas. Regra mais do que explícita para o aparecimento de estilos aberrantes, como o lamentável Chippendale Chinês, um papel com árvores de cores planas e intensas sobre detalhes de paisagens chinesas. Toda esta euforia de cores e motivos acabaria nas décadas de 30 e 40, com o esforço de guerra a traduzir-se no desvio de tintas e vernizes para actividades mais urgentes. Economizar era a palavra de ordem, quer na Europa quer nos Estados Unidos os papéis produzidos nestas décadas são simples, quase abstractos, e de cores pálidas. Uma das soluções mais vulgares encontradas pelos fabricantes para superar a falta de tinta, foi imprimir tramas de barras verticais muito finas e a uma só cor, de modo a que o intervalo entre as barras do papel fosse anulado pela convergência, criando no observador a ilusão que estava a olhar para uma cor plana. No final da guerra, e com a maior parte dos países em plena recuperação económica, dão-se alguns revivalismos, principalmente nos Estados Unidos, que recuperam os motivos dos anos 20 e da época colonial. Um bom exemplo disso é o Wedgwood, um papel azul ou verde pontilhado com flores brancas, a fazer lembrar as porcelanas do desenhador e fabricante inglês do séc. XVII Josiah Wedgwood. Os anos 50 americanos foram tão positivos que deram origem aos papéis-vinheta, próprios para o quarto dos baby boomers, onde eram reproduzidos ursinhos de peluche, comboios, fadas, ilhas fantásticas e cenas de cowboys. A indústria não parou, até 1964 nasceriam 76 milhões de miúdos.
Os anos 60 encheram-se de amor, ninguém se admira do flock voltar às paredes, mesmo que desta vez venha com fundo dourado. Excepto isso, o que marca a década é o uso sistemático de figuras geométricas preenchidas com cores quentes, das quais resultam padrões visualmente intensos, com figuras impossíveis e jogos de profundidade. Os anos 70 continuam e acentuam essa tendência, Zoom 549 e Club Inferno são dois papéis absolutamente espantosos, o mesmo se pode dizer dos novos motivos florais, quase psicadélicos como o Savina de Manuel Canovas, ou o Jungle, com um toque africano. Os anos 80, alegres e românticos, como o som dos Wham ou dos Spandau Ballet, recuperam a alegria das cores ou dos motivos florais clássicos, muitos deles utilizados no chintze, que mais uma vez está na moda. Nesta altura Paul Dumas é um dos desenhadores que mais se destaca em França, ecléctico tanto recria o séc. XVIII como aposta na simplicidade geométrica. A classe média acompanha o fulgor económico, quer-se bem, compra a colecções da Inaltéra, Crown e Essef, e tenta recriar South Fork num duplex ou numa vivenda da periferia. No início da década de 90 o papel de parede passa a ser olhado como uma maldição, além do mau gosto que representa, é caro, suja-se e estraga-se facilmente, muitas lojas e fabricantes fecham portas e compram-se rolos extra por isso. Alguns resistem, apoiando-se no mercado americano, inglês e francês. Uns anos depois, o papel volta às revistas, novas colecções são lançadas e o mercado começa a responder, talvez porque as paredes brancas são impessoais, não têm nada para dizer. Como a década que passou.
Texto publicado na revista Ícone, Março de 2001.