A Máquina do Hype #02

Hype 02
© The Cobra Snake

Peças Novas

Os franceses estão a voltar em força, é o que se tem espalhado por aí. Por aqui, é certo que relíquias como Plastic Bertrand [ainda que belga], Mathématiques Modernes, Elli & Jacno até aos mais recentes Stereo Total [ainda que meio alemães], Air, Daft Punk e Nouvelle Vague estão entre os favoritos de sempre. O detalhe linguístico, se cantam ou não na língua materna, se a misturam com outras ou não, é de todo irrelevante. Talvez por isso, tanto são boas as surpresas exclusivamente cantadas em francês, Prototypes [atenção: EP à borla, aqui!], como as bilingues, Plasticines, e aquelas que chegam num inglês bem disfarçado, como Martin Solveig. Depois disto, só faltava aqui quem cantasse em “broken english”, e aí estão os SoKo, a cantar num inglês medonho, mas tão honesto e singular que mete dó. Verdade: Taken My Heart e I’ll Kill Her são músicas que entram pelo ouvido, não querem sair da cabeça e fazem o coração arrepiar, confirmem-no aqui. Sejamos honestos: antes isto, do que o maudito David Fonseca.

Peças Soltas

John Cooper Clarke. O historial do homem é complicado, brilhou na década de 70 com o punk e nas seguintes apagou-se à conta da heroína. Pode dizer-se, à falta de melhor, que é um poeta de rua [há quem o trate por Bardo de Salford] e cruza spokenword com electrónica, punk e sabemos lá mais o quê. Numa expressão: música não identificada. Nada melhor então, acharam os produtores da série ao ouvirem a música de Clarke, do que Evidently Chickentown para acompanhar a tensão existencial [?] entre Tony e Chris no fecho de Stage 5, um dos últimos episódios dos Sopranos. Por aqui, depois de Evidently Chickentown, retirado de Snap, Crackle & Bop, fomos atrás da compilação Word of Mouth e de lá arrancamos uma pérola, I Don’t Want to Be Nice.

Peças Usadas

Aí por meados da década de 90, Armand Van Helden era um Midas entre Djs e produtores. Enumerar aquilo em que tocou e transformou em ouro, de Fine Young Cannibals a Daft Punk, seria o mesmo que escrever uma página sobre a história das grandes batidas daquela década. Entretanto, o House foi-se e o toque de Van Helden também, mas surpresa!, depois da eficaz mistura de Sexy Back [de Timberlake, claro], ressuscita em Ghettoblaster, último álbum, com Playmate. A batida é muito noventas, a voz é assim-assim, agora que é altamente dançável, é. Pior: deixa ficar a suspeita que o House ainda vai voltar. Mau Maria.

Medição e Ensaio de Peças

Nota máxima para o hip hop africano, recolhido na compilação African Underground: Depths of Dakar da Calabash Music, em particular o som de Sen Kupar. Do hip hop africano para o funk e deste para o kuduru [faz tudo sentido, não faz?!], os Buraka Som Sistema fizeram misturas de Gasolina, dos Bonde do Rolê, e Birdflu Guns Up, da M.I.A. Gostamos mais do primeiro, o outro é um bocadinho um tiro no ouvido. Mas pronto, infelicidades destas acontecem.

A minha Máquina do Hype é publicada todas as segundas-feiras.

A Máquina do Hype #01

Hype 01
© The Cobra Snake

Peças Novas

É verdade, Feist conseguiu, 1 2 3 4 é o segundo grande single posto a circular do álbum que já aí está há venda, The Reminder, o outro é My Man, My Moon. A diferença é que este 1 2 3 4 dá para tudo: trautear, dançar, bater palminhas e até para pensar que não é com golpes de sorte que se conseguem coisas destas. E há que reparar na engenharia da coisa: até aos 20 e poucos segundos parece que nada vai acontecer, depois a melodia abre e leva-nos com facilidade. O vídeo acompanha a excelência do single, confirmem no Youtube.com. Só de pensar que houve um tempo em que Feist usava o nome de Bitch Lap-Lap e rapava em espanhol com um fantoche feito de meias, até dói.

Peças Soltas

Darondo. O homem andava de Rolls Royce branco, abria concertos para o James Brown e era tido como o próximo Al Green, até que em meados de setenta desapareceu. Foi recuperado em 2005 por Gilles Peterson para a colectânea [Gilles Peterson] Digs America, com o single Didn’t I. Tendo em conta o interesse que despertou, a Ubiquity lançou no ano seguinte Let My People Go. Nela está recolhida, se é que assim se pode dizer, a obra completa de Darondo, que se resume a nove singles. Sim, nove, mas todos grandiosos. Há coisas assim.

Peças Usadas

Não é novidade nenhuma: são três raparigas de Brooklyn, todas teclistas, dão pelo nome de Au Revoir Simone [não a de Beauvoir, mas tanto quanto se sabe, a de um filme de 1985, Pee-Wee’s Big Adventure, de Tim Burton], editaram um álbum, The Bird Of Music, e foram adoptadas como coqueluche por [quase] tudo o que é blog e revista de música. E até David Lynch anda por aí a dizer que são as preferidas dele. O uso abusivo dos sintetizadores e o lado querido das Au Revoir Simone fazem lembrar muito uma coisa de início dos anos 90, Les Mariages Chinois, de Philippe Katerine, reeditado há pouco. Ambos os discos, o das Au Revoir hoje e o de Katerine em retrospectiva, sofrem do mesmo mal: à primeira escuta fascinam, à segunda descobrimos-lhes as fragilidades e à terceira estão gastos. Agora uma pequena teoria: uma busca rápida ao Google e os resultados indicam rapidamente o porquê da súbita euforia à volta das Au Revoir Simone, para além de carinha laroca, há pernoca bem feita. Neste caso, a multiplicar por três.

Medição e Ensaio de Peças

Nota máxima para os nomes que as bandas brasileiras escolhem. Depois dos Cansei de Ser Sexy, há agora os Luísa Mandou Um Beijo. São do Rio, não consta uma Luísa da formação, mas sim uma Flávia, acompanhada de Fernando, PP, PC, Shockbrou, Andrezinho e Luciano. Fazem pop como deve ser, levezinha e fresca, confiram Hoje, o Mar Dançou no Céu. O álbum está todo aqui, o download é gratuito e legal.

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Aqueles Que Me Acompanharam em 2006

Não consegui evitar: estava a olhar para os resultados que a Last.FM vai debitando sobre aquilo que ouço e aproveito um intervalo para escrevinhar sobre alguns singles que me acompanharam ao longo do ano que passou.

Sou, sempre fui, um tipo de singles, não acredito em álbuns, um conceito que nunca consegui aceitar, do qual nunca gostei e que hoje está esgotado. Afinal, o que ficará daqui a uns anos de todas estas bandas que por aí andam? Nada, a não ser singles, claro está.

Sem obedecer a uma ordem, destaco dez, entre tantos outros que gostei e me fartei de ouvir.

reginaspektor

Begin To Hope
Regina Spektor

Exercício crítico que se preze começa por um paradoxo: não é um single, mas um álbum que abre esta lista. Regina Spektor pode até lembrar Feist, erro crasso, porque é de longe muito mais sofisticada na composição e na escrita, coisa que já se adivinhava em Soviet Kitsch e se confirma neste Begin to Hope. Anti-folk, ok, mas sem o toque de R&B, Fidelity, On The Rádio e That Time não seriam os singles que são: cheios, redondos e imaculados.

ferrabylionheart

A Crack In Time
Ferraby Lionheart
Ferraby Lionheart

Sou fã de quem tem um bom nome, só por isso, Ferraby Lionheart mereceu toda a minha atenção. Depois do nome, foram os arranjos singulares, meio pop, meio folk, e depois as letras. Belíssimas. Hesitei entre este tema e Tickets To Crickets, mais óbvio e que me faz chorar como um desalmado. Mas volto a repetir: foi o nome dele que me chamou a atenção.

spektrum

Don’t Be Shy
Fun At The Gymkhana Club
Spektrum

Esta coisa do electrofunk [ou electrohop ou qualquer outra porcaria de etiqueta que alguém se lembre de inventar] é entusiasmante e os Spektrum são do mais competente que há a fazê-lo. Prova disso é este Don’t Be Shy, altamente dançável e a roçar o sexualmente explícito. Depois desta, só mesmo Emergency do Passions é que me fez saltar para cima da cadeira.

bookashade

Hallelujah USA
Movements
Booka Shade

Nunca percebi a utilidade de um subwoofer, mas depois de ouvir Hallelujah USA [que faz reverbar todos os vidros da minha casa], juro que estava capaz de ter um no carro e girar por aí sem parar. Isto se eu tivesse carro e fosse um suburbano dado a essa libertação de espírito que é o tunning.

canseidesersexy

Let’s Make Love And Listen Death From Above
CSS
Cansei de Ser Sexy

O estilo é tudo. Nisso estou com os Cansei de Ser Sexy. E este Let’s Make Love And Listen Death From Above tem precisamente aquilo que faz de qualquer música um grande single: esgota-se ao fim de uma audição, mas enquanto durou, foi tão bom, que só apetece repetir.

babyshambles

The Blinding
The Blinding
Babyshambles

Ouço-o todos os dias pela manhã. Juro que é assim. E este nem é um grande-grande single, apenas um grande single dos Babyshambles. A questão é simples: todo o adolescente que se preza deveria arrancar da parede a foto do Che, ou de qualquer outro revolucionário secular e pingalheiro, e colocar uma do Peter Doherty. Um dia destes, se estiver para aí virado, ainda lhe escrevo uma ode, que o homem merece.

beirut

Elephant Gun
Lon Gisland
Beirut

Tenho quase a certeza que é um banjo que abre esta canção, depois há uma voz trémula, e ainda, um lado operático que me enchem as medidas. É um dos grandessíssimos singles desta colheita, muitos pontos acima do celebrado Postcards From Italy de Gulag Orkestar, coisa para agradar norte-americanos que nunca saíram de casa.

catpower

Could We
The Greatest
Cat Power

Sou fã de bons nomes, já disse, por isso tive uma enorme resistência a Cat Power. O mesmo não aconteceu com a música e voz dela, dela Charlyn Marshall, nome bem menos piroso que Cat Power, que de resto é abreviatura de marca de maquinaria pesada. Enfim, manias à parte, Could We tem um irresistível toque de R&B pelo meio e é de facto poderoso.

gnarlsbarkley

Crazy
St. Elsewhere
Gnarls Barkley

Seria uma injustiça não destacar Crazy, até por razões históricas, foi o primeiro single a chegar ao topo da tabela inglesa via downloads [isto muito antes de sair o disco], depois sou um fã absoluto de Danger Mouse, e para acabar, uma grande música resiste a tudo e a versão acústica da Nelly Furtado é uma prova disso. E já me esquecia: é claro que quem aparece vestido de “droog” em fotos de promoção e edita um álbum com nome de série televisiva de culto, merece toda a consideração.

Outros grandessíssimos singles que ficaram de fora, crueldade!, sobre os quais gostaria de escrever, mas não tenho tempo:

Lloyd, I’m Ready To Be Heartbroken e If Looks Could Kill, Camera Obscura; SexyBack, Justin Timberlake; Plus 81, Deerhoof, Un Gars Fragile, Prototypes; Rivers, Sleeping States; We Used To Vacation, Cold War Kids; Transgressors, Magas; Over And Over, Hot Chip; Kick Push, Lupe Fiasco; Brown Girl, Jurassic 5; 100.000 Thoughts, Tap Tap; Black Dirty, Bumblebeez; A Conta do Samba, Tita Lima; Aka M80 The Wolf, Portugal, The Man; [Far From] Home, Tiga; Drugs in My Body, Thieves Like Us; Fuego, Pitbull; Bouncy Ball, Ladyfuzz; Magic Touch, Kudu; TeleRAD, Gay Against You; This Time, DJ Shadow; True Skool, Coldcut; Sons & Daughters, The Decemberists; Wolf Like Me, TV On The Radio; Yah!, Buraka Som Sistema; Smash Your Head, Girl Talk; Yours To Keep, Teddybears, Fraud In The 80s, Mates Of State; You Are What You Love, Jenny Lewis With The Watson Twins; Artifact, DJ Shadow; I Just Came To Tell You That I’M Going [Je Suis Venu Te Dire Que Je M’En Vais], Jarvis Cocker & Kid Loco, e Love or Hate Me, Lady Sovereign.