Estava eu a espreitar a Alhambra desde o Paseo de los Tristes, a rua que Somerset Maugham considerava ser o meio km mais bonito do mundo, quando de repente me aparece um junkie com este livro, e outros que não me lembro, na mão. Viva a cultura!, exclamei enquanto lhe passava uma moeda de 100 pesetas e pensava que na melhor da hipóteses nas ruas do Porto ou Lisboa um junkie só me poderia aparecer com duas coisas na mão: pensos rápidos e uma seringa infectada.
Sim, é verdade que não lembra a ninguém (e muito menos a um português) comprar um livro sobre os 20 anos de edição fanzineira em Granada, mas eu comprei. Comprei, porque este é um daqueles livros que apesar de representar uma realidade tão específica, a começar pela geografia e acabando nos autores, não deixa de ser um bom exemplo a seguir.
Os fanzines são interessantes, entre outras coisas, porque estão à margem dos grandes circuitos e dão a perceber realmente quais os gostos, motivações, interesses, tendências e ideologias daqueles que os fazem. Muito antes de eles serem a primeira oportunidade para novos autores de bd (o que não acontece sempre, diga-se), eles são pequenas polaroids sociológicas. Para provar isso, bastaria mudar o nome da cidade e trocá-lo por outro qualquer, Porto ou Lisboa serviam, que no final teríamos sempre acesso à visão e às preocupações, estéticas ou não, que as gerações mais novas dessa mesma cidade têm. Este livro não se limita a fazer uma recensão – entre nós Geraldes Lino tem-se ficado apenas por isso – dos fanzines de Granada dos últimos 20 anos, tenta é dar algum sentido e ordem a documentos, termo pomposo, mas necessário, que de efémero só têm a duração e a importância que lhes é dada.
20 Años de Tebeos – 20 Años de Fanzines en Granada 1978/98
Miguel Angel Alejo e Miguel Guerrero
A.J. Ediciones Veleta – 81 pp, PB
Texto publicado na revista Quadrado, Volume 3, Nº1, Janeiro de 2000.