01. O ano é de boa colheita, é o mínimo que se pode dizer: Luís Louro e Rui Zink apostaram, António Jorge Gonçalves arriscou, Miguel Rocha insiste, José Carlos Fernandes reinventa-se, Nuno Saraiva reedita-se e a estes juntam-se uns quantos nomes desconhecidos, alguns interessantes, e pelo menos três editoras novas, Witloff, Círculo Profundo e Nova Comix.
A acompanhar e ao lado de tudo isto está a Bedeteca de Lisboa, num trabalho intenso e de capital importância para a estranha, e incompreensível, história da bd no nosso país. Está à vista de todos que existem hoje condições para se ser autor, não há ainda é a condição de autor de bd, o que é bem diferente, porque esta depende directamente do estatuto social e artístico. Reconhecido, entenda-se. Acrescente-se a seguinte formulação clássica: uma obra que apresente a tendência correcta tem, necessariamente, que apresentar todas as outras qualidades. Nos nossos autores a tendência neste momento é a correcta, mas no que diz respeito à qualidade (sentido de obra e pertinência conteúdo) continuam frágeis. Não sabemos bem porquê, talvez porque se encare a bd como veículo para qualquer coisa, e não como o meio em si, ou talvez porque se cultive e apoie uma certa democratização artística e autoral.
A verdade é que estamos no nível um, e a prova disso é que nos outros meios a questão central de hoje não é a da condição, mas sim o que é o autor, se isso não passa de uma figura puramente legal ou de uma impossibilidade conceptual. É uma pena ainda não estarmos a ter essa discussão.
02. As letras são contadas e o assunto é complexo, por isso nada melhor que acreditar que sou Jesus Cristo e fazer o milagre da interpretação: em 1988 Alan Moore abandona a DC e resolve fundar a sua própria editora com a mulher, escolhem um nome que é um reflexo do amor louco que têm um pelo outro e os dois pela bd: Mad Love. Passados dois anos, ele termina o argumento de Big Numbers e convida Bill Sienkiewicz para a desenhar. Este aceita o projecto contrariado, a disponibilidade era pouca, tanto que ao segundo número abandona o projecto. Moore tinha previsto essa possibilidade e chama o desenhador substituto, Al Columbia, que ocupa imediatamente o lugar. A crise artística e existencial que Columbia atravessa é tão violenta que ele resolve largar tudo e fugir, sem avisar ninguém ou sequer deixar rastro. Encontraram-no dois anos mais tarde a trabalhar como cozinheiro num restaurante de terceira. Entretanto, Moore e a mulher separam-se e a editora acaba.
Esta pequena, complicada e admirável história é contada pelos próprios quase como uma anedota, porque o tempo concedeu-lhes a capacidade de olharem para ela como um momento menos feliz do percurso pessoal de cada um, uma daquelas coisas más que acontecem. Aqui, no nosso país, é vida e a condição do autor é todos os dias assim.
Texto publicado na Contador-Mor , Newsletter da Bedeteca de Lisboa, Nº8, Dezembro de 2000.
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