Não me lembro de outro ano assim, absurdo e cinzento como este, onde quase tudo mudou, mas nada foi definitivo. A euforia autoral e editorial alternativa parou sem dar explicações, não sabemos o que é feito de todos os autores que andaram por aí até agora, nem temos folheado nada das editoras que existiam para os publicar.
É uma infelicidade não haver sinais alternativos, mas eles não poderiam persistir muito mais tempo, ou ter a sua importância, sem que o outro lado estivesse presente em força, o das editoras com vocação comercial. Foi uma experiência que não obedeceu a mais elementar das regras: para cada acção há uma reacção oposta. Aquilo que as editoras alternativas publicaram flutuou entre a banda desenhada e a ilustração, entre a banda desenhada e a pintura, entre a banda desenhada e outra coisa qualquer que ninguém sabe bem o que é, nem sequer os próprios autores. Foram anos de estilo, e ainda que isso tenha algum mérito artístico, a verdade é que alguns autores fizeram uso do estilo para combater a incapacidade de contar histórias e disfarçar falhas de linguagem. O estilo é a forma como a linguagem de um determinado autor se apresenta, parte de um conjunto de regras artificiais estabelecidas pelo autor e tem como objectivo criar a ilusão de que as soluções utilizadas são aquelas e não poderiam ser outras. A dificuldade está na capacidade que cada autor tem ou não de ser um bom ilusionista, e dentro dos alternativos nós tivemos bons ilusionistas, maus ilusionistas, ilusionistas assim-assim que sempre foram entusiasmando o público com alguns truques, vá lá. Agora que as potenciais grandes companhias de circo nacionais marcam terreno nas entradas das cidades, com ilusionistas de renome internacional e outras criaturas amestradas em cartaz, não há reacção por parte dos ilusionistas alternativos, que entretanto vão fazendo o que podem pela vida a vender bifanas em estradas secundárias e portas de discoteca. É triste, mas é verdade, só houve reacção quando existia uma editora moribunda e vários apoios institucionais. Fomos nós no nosso melhor.
Texto publicado no site da Bedeteca, secção Dossiê, Dezembro de 2002.