Bruce Chatwin: O Último Viajante

Filho de uma família de classe média inglesa, Bruce Chatwin nasceu em 1940 em Birmingham e fez os estudos primários e secundários em Marlborough. Aos 18 anos abandona a escola para começar a trabalhar na famosa casa leiloeira Sotheby’s, onde tem uma ascensão profissional muito rápida graças à intuição natural que possui para descobrir obras de arte falsificadas.

A novela escrita durante esse período, Rotting Fruits de 1999, é um reflexo do interesse que tem sobre coleccionadores e colecções de arte. Apesar disso, abandona a Sotheby’s em 1966 decidido a estudar Arqueologia na Universidade de Edimburgo, mas desiste ao terceiro ano do curso para se dedicar por completo à escrita e à investigação daquele que será o tema central da sua obra, o nomadismo. Consegue trabalho no The Sunday Times Magazine, onde em troca de ensaios e artigos financiam-lhe várias viagens, em 1977 parte para o fim do mundo e escreve In Patagonia, o livro que lhe trará a fama mundial como escritor e viajante. Seguiram-se outros cinco livros que de igual modo foram sucessos literários e de vendas: The Viceroy of Ouidah (1980), On The Black Hill (1982), The Songlines (1987), Utz (1988) e What I’m Doing Here? (1989). Bruce Chatwin não só recuperou um género em desuso, o do livro de viagens, como foi capaz de voltar a dar corpo ao mito do viajante imparável e solitário, eliminando com eficácia todas as fronteiras entre a realidade e ficção, basta pensar que nem todos se reconhecem naquilo que ele escreveu, muito menos consideram positivas as distorções que fez da realidade social e cultural dos lugares que visitou. Pior: quem se cruzou com ele na Austrália ou na Patagónia descreve-o como um homem circunspecto, meio amedrontado, que não parava de tirar notas sobre tudo o que via e ouvia. O livro The Songlines (em português O Canto Nómada, editado pela Quetzal), é um exemplo disso, nele não faz mais do que tentar provar as teorias que tinha sobre o nomadismo, recriando até ao limite os conhecimentos que adquiriu durante os vários meses que passou na biblioteca de Sidney a pesquisar sobre as canções aborígines. O mais interessante é que também fez o mesmo com a sua história pessoal, confundido biógrafos com datas de nascimento erradas, criando diferentes passados familiares ou académicos. Nem mesmo a imagem do explorador desleixado e romântico foi deixada de lado, vestia sempre caqui e ganga desbotada, mas dois detalhes não batem certo com o resto: nunca aparece despenteado e calça sempre meias brancas imaculadas. Casou-se com uma amiga aos 25 anos, mas era um homossexual envergonhado, muito discreto nas relações que mantinha com homens, mas consciente de que a ambiguidade sexual e a intriga de almofada alimentam o mito, deixou ordem expressa para que os seus cadernos de apontamentos fossem abertos em 2010. Escreveram-se linhas e linhas sobre o suposto conteúdo dos cadernos, adivinharam-se revelações explosivas, mas conforme constatou o biógrafo Nicholas Shakespeare, só há citações de outros escritores e apontamentos estritamente literários. Antes de morrer, aos 49 anos, afirmou que tinha contraído uma doença de ossos incurável durante uma viagem a China, um fim trágico, feito a medida de um viajante, dum verdadeiro nómada, mas que serviu para ocultar a origem da sua doença, o vírus HIV tinha-lhe debilitado o sistema imunitário.

Texto publicado na Revista, Nº1556, Agosto de 2002, do semanário Expresso.