Fumetto: Mila com Ilegalidade

milailegal

01.
Acabei de passar por um café onde dois marroquinos tentavam roubar uma carteira que estava no casaco do tipo sentado na mesa ao lado. Olhei para eles, eles olharam para mim e desistiram. Avancei uns metros e fiz sinal a mulher do dono do casaco, ela não percebeu, mas os marroquinos viram que eu estava a fazer sinais, eu fiquei nervoso, eles também, eu comecei outra vez a andar, eles saíram do café, eu virei a esquina a correr, eles a esquina oposta, eu entrei a correr no hotel, eles desapareceram.

02.
Diálogo solto entre autores portugueses numa discoteca suíça:
– Oh, a Milla foi-se embora!
– Vês, é assim que os brasileiro arranjam refrões para letras de músicas…

03.
Quinze minutos a andar pelo meio dos subúrbios de Luzern, vamos até um bar ilegal e estamos orgulhosos disso. Mal entramos, alguém vai ao balcão e pede uma cerveja, resposta imediata, “Não temos cerveja…, nova tentativa, E vodka laranja?!, resposta azeda, Não temos gelo…“.

04.
Ficamos aborrecidos por não poder beber, mas apesar da falta de gelo e cerveja, sempre cometemos uma ilegalidade na Suíça, o que não é nada mau.

Fumetto: Gary Panter com Debbie Reynolds

debbiepanter

01.
É o pior de Jack Kirby e o melhor de Jean Dubuffet numa mesma pessoa. Daí que consiga perceber que fique a impressão de irregularidade para aqueles que não conhecem bem o percurso de Gary Panter desde meados dos anos 70 ou que só tenham conhecimento de alguns dos aspectos mais recentes de uma produção que é múltipla e descoordenada por definição. Uma característica que foi anulada na exposição que o Fumetto lhe dedica, através duma selecção demasiado coerente e toda em volta da série Jimbo. Eu não gostava que fosse assim, porque o Gary Panter tem coisas muito mais interessantes fora da banda desenhada.

02.
Quase todos me perguntam o que achei da exposição do Gary Panter, respondo-lhes que assim-assim, eles argumentam que o homem é punk, e eu limito-me a considerar ninguém é punk acima dos 50, muito menos quando têm barriga e usam uma mosca grisalha no queixo, como é o caso.

03.
Quando alguém pede um desenho ao Gary Panter, este faz questão de gritar, “Queres que te desenhe uma cobra muita maluca?!”, ou “Queres que eu te faça um caubói muito doido… queres?!”, ou ainda “Vou-te desenhar um cão muita maluco!” Os desenhos dele são tão riscados e tremidos que às tantas estes “muita maluca” ou “muito doido” parecem ser um pedido de desculpas, se são não convencem, porque há um miúdo que recusa um extraterrestre “muita doido” pela terceira vez. O Gary tenta chamar a mãe dele à razão, “Se ele não gosta de extraterrestres, eu posso fazer… um rapper muita doido!!!”, a mãe do miúdo diz qualquer coisa em alemão, o tom é ríspido, o miúdo contrariado pega nos extraterrestres, agradece e afasta-se puxado pela mãe, o Gary atrapalhado ainda tenta dar a volta por cima, “E lutadores mexicanos?!? Ele não gosta de lutadores mexicanos?!? É que eu posso fazer lutador mexicano muita maluco!“.

04.
O Gary quer saber como é que eu sou capaz de fazer coisas tão rápidas a pincel, e eu pergunto-lhe como é que ele não parte o aparo sempre que faz uma coisa “muito doida”, ele ri-se e aponta para uma caixa cheia de aparos prontos a usar em caso de acidente. Junto à caixa dos aparos há um lápis ilustrado a toda a volta com caras, digo-lhe que tenho dois iguais aquele em casa, comprei-os em 90 ou 92, mas estão novos, porque gosto tanto deles que não tenho coragem para os usar. Fica muito admirado e diz-me que foi ele quem fez a ilustração para os lápis. Mais: explica-me que foi um amigo em Nova Iorque que lhe arranjou o trabalho. Confesso-lhe que comprei os meus no Feira Nova de Braga, pergunta-me se o Feira Nova é uma papelaria, como não quero ferir de morte o orgulho do homem, respondo que sim meio envergonhado. Ele insiste, “Mas porque é que não os usas?!”, e eu repito, “Epá, Gary, porque são tão porreiros que não tenho coragem de os estragar!“, ele acaba por oferecer-me o lápis que tem, “Toma, podes usar este, porque já tá assim…” eu agradeço, ele ri-se, pega no aparo e assina na ponta do lápis. Fico a pensar se coloco o lápis ao lado do boneco que dança bhangra, e que é uma réplica em miniatura do próprio Balwinder Safri!, ou se ao lado da caixa da MGM com os melhores momentos da “Serenata à Chuva” em 8 mm, onde também tenho guardado um guardanapo de papel usado pela Debbie Reynolds.

05.
Vim até meio do caminho para o hotel a olhar para o lápis que o Gary Panter me deu e a pensar que era uma pena o guardanapo da Debbie Reynolds não estar assinado, o que é compreensível, porque eu aproveitei o facto de ela estar de costas para o roubar. Entre os prédios da rua, fui olhando para as montanhas cobertas de neve, depois para as flores dos canteiros e acabei por parar em frente a uma casa fabulosa, acreditei que estava num musical e que daqui a nada a Debbie Reynolds abria a porta, saltava para o passeio e desatava a cantar,

Summer, winter, autumn, and spring
Were there more than 24 hours a day
They’d be spent in sweet content dreamin’ away
Skies are grey! Skies are blue!
Morning, noon, and night-time, too
All I do the whole day through is dream of you!

Cheguei a saltitar de felicidade ao hotel.

Fumetto: Junges Comicschaffen Aus Portugal

luzern

Abre portas hoje, 5 de Abril, mais uma edição do Fumetto, festival de bd de Lucerna, Suíça, que conta com uma colectiva de jovens autores portugueses, que dá pelo nome de Junges Comicschaffen Aus Portugal, comissariada por mim, pela Sabine Witkowski e Denise Schuppisser.

A colectiva contará com originais de Filipe Abranches, João Fazenda, Pedro Brito, Pedro Nora, Isabel Carvalho, e claro, meus, e terá lugar no Festsaal Maskenliebhaber, um antigo salão de festas da cidade.

De resto, todas as outras exposições, das quais destaco as de Dupuy e Berberian, François Chalet e Gary Panter, estão espalhadas por vários espaços de Lucerna.

Ficam aqui as informações úteis para quem conseguir lá dar um salto:

Junges Comicschaffen Aus Portugal
Fumetto Comix-Festival

5 a 13 de Abril, 2003
Festsaal Maskenliebhaber*
Süesswinkel, 7
Lucerna
Suíça

*Aberto entre as 10 e as 22 horas, excepto no último dia do festival, em que encerra às 20 horas.

ARCHI 2010

A ARCHI 2010, acrónimo para Iniciativa da Cruz Vermelha Africana e Crescente Vermelho – 2010, iniciou-se em 2001, tendo como objectivo melhor as condições de higiene e saúde pública em África até 2010. Fui contactado pela Ian Gall em 2002 para fazer as ilustrações das brochuras informativas que iriam ser distribuídas por vários países, e passados 3 meses, tinha feito, ao todo, 100 ilustrações.
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Autores [em 2002]

Não me lembro de outro ano assim, absurdo e cinzento como este, onde quase tudo mudou, mas nada foi definitivo. A euforia autoral e editorial alternativa parou sem dar explicações, não sabemos o que é feito de todos os autores que andaram por aí até agora, nem temos folheado nada das editoras que existiam para os publicar.
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BD: Canção do Bandido

Canção do Bandido

Prémio – Melhor Argumento Álbum Português
Festival de BD da Amadora 2002

Prémio – Melhor Álbum Português
Festival de BD da Sobreda 2002

Melhor Álbum de BD Nacional 2001
Diário de Notícias

Dez Melhores Álbuns de BD do Ano 2001
Expresso

“[…] É por isso com incontida alegria que devemos acolher cada boa história de banda desenhada que cai na prateleira das livrarias – e “Canção do Bandido”, álbum com argumento de Paulo Patrício e desenhos de Rui Ricardo, é, sem dúvida, uma boa história. Bem imaginada, bem elaborada, ágil, sem excesso de palavras, com sentido de humor, e precisa na sua forma de realizar um pequeno retrato social com base na eterna guerra dos sexos. […]”

João Miguel Tavares
in Diário de Notícias

“O Melhor da BD em 2001 […] Canção do Bandido Paulo Patrício e Rui Ricardo […]”

João Paiva Boléo
in Expresso

Michel Houellebecq: Pessimista Lúcido

Filho de um guia de montanha e de uma anestesista, Michel Houellebecq nasceu franzino e tristonho a 26 de Fevereiro de 1958 na Ilha da Reunião. Aos seis anos, os pais preocupados com a sua educação, deixaram-no ao cuidado da avó paterna que vivia em Franca, sendo dela o nome de família que viria a adoptar, Houellebecq (pronuncia-se uél-bé-que).
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Bruce Chatwin: O Último Viajante

Filho de uma família de classe média inglesa, Bruce Chatwin nasceu em 1940 em Birmingham e fez os estudos primários e secundários em Marlborough. Aos 18 anos abandona a escola para começar a trabalhar na famosa casa leiloeira Sotheby’s, onde tem uma ascensão profissional muito rápida graças à intuição natural que possui para descobrir obras de arte falsificadas.
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Sam Shepard: Capitão América

Samuel Shepard Rogers, os amigos tratavam-no por Steve Rogers, nasceu numa base militar, Fort Sheridan, Illinois, a 3 de Novembro de 1943.Cresceu numa quinta, onde à medida que foi assistindo às sucessivas bebedeiras do pai, fez de tudo um pouco para ajudar a mãe: apanhou laranjas, ordenhou vacas, tosquiou ovelhas, mas aos dezanove anos não aguentou mais e mudou-se para Nova Iorque.
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Ryszard Kapuscinski: Um Polaco Apaixonado Por África

Licenciado em História pela Universidade de Varsóvia, Ryszard Kapuscinski [1932, Pinsk] começa a sua carreira como jornalista num jornal dessa cidade, o Sztandar Mlodych, em 1955. É enviado como correspondente da Agência Polaca de Notícias para a Ásia nesse mesmo ano, depois de assinar um série de reportagens irónicas sobre a reconstrução da Polónia que desagradam o poder local.
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