As Vozes do Silêncio

Com a contribuição de 80 pessoas, que vão desde escritores a fotógrafos, mas também pessoas que já viveram nas ruas, é lançado amanhã, 8 de Novembro, pelas 18h30 no Museu da Santa Casa da Misericórdia do Porto, o livro Vozes do Silêncio — Um Grupo de Sem-Abrigo à Conquista de Cidadania, editado pela APURO, e que conta com uma curta de bd feita por mim.

O mais importante: tanto os direitos de autor, assim como o lucro resultante das vendas, reverterão para um fundo destinado a completar custos associados às necessidades do processo de reinserção, como tratamentos dentários, próteses dentárias, óculos, cauções para acesso a aluguer de casa e equipamento doméstico.

Mais detalhes sobre o livro e o projecto.

A obra, uma iniciativa d’ As Vozes do Silêncio, uma plataforma de reafirmação da acção colectiva através da arte que faz parte do Núcleo de Planeamento e Intervenção em Sem Abrigo do Porto (NPISA), é inédita em Portugal. Envolve à volta de 80 pessoas, umas com experiência de rua, a viver processos de inclusão, e outras completamente integradas e com reconhecido mérito nas suas áreas de expressão.

A narrativa documental é dada pelas reportagens e crónicas que a jornalista Ana Cristina Pereira foi publicando no jornal Público (com fotos de Paulo Pimenta, Adriano Miranda, Nelson Garrido, Manuel Roberto e Fernando Veludo) e por crónicas inéditas escritas por Luís Fernandes, professor da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto.

São quatro anos de construção de cidadania. Começa em Abril de 2013, quando os sem-abrigo da cidade ainda nem pensavam em ter um discurso público sobre os assuntos que lhes dizem respeito, e vai até Maio de 2017, altura em que já tinham dado origem a duas organizações, participado no debate público sobre a nova Estratégia Nacional de Integração de Sem Abrigo e recebido o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, na cidade. A partir dos temas trazidos por esse fio, solta-se a imaginação, isto é, agrupam-se pequenos textos de ficção inéditos ou já editados noutros sítios (texto dramático, conto, poesia) e imagens (fotografia e desenho) da autoria de pessoas que foram ou são sem-abrigo e de artistas, alguns bem conhecidos do grande público.

Entre muitos outros encontram contribuições de Ana Luísa Amaral, Carlos Tê, Dulce Maria Cardoso, Filipa Leal, Francisco Duarte Mangas, Gonçalo M. Tavares, Isabel Figueiredo, Inês Lourenço, Jacinto Lucas Pires, João Habitualmente, João Pedro Azul, José Luís Peixoto, José Tolentino Mendonça, Julieta Monginho, Kitato, Nuno Júdice, Pedro Lamares, Renato Filipe Cardoso, Regina Guimarães, Rui Pina Coelho, Raoul Vaneighem, Susana Moreira Marques, Tiago Gomes e Valter Hugo Mãe!

Fica aqui o convite para aparecerem no lançamento e contribuirem!

Finalmente A Censura

A Associação Americana de Bibliotecas publicou recentemente a lista dos 10 livros mais contestados em 2016, ou seja, com mais pedidos para serem banidos ou passarem a ter acesso restrito. Desta vez, metade da lista é ocupada por livros ilustrados e bandas desenhadas.

Em primeiro lugar: This One Summer (em português, Finalmente O Verão), uma banda desenhada com argumento de Mariko Tamaki e desenhos de Jillian Tamaki, vencedora de inúmeros prémios desde a sua edição em 2014. Centrada em duas personagens, Rose e Windy, “amigas de férias”, a obra retrata de uma forma muito evocativa o final da infância e entrada na adolescência. Os motivos que levaram os leitores a contestarem são “incluir personagens LGBT, uso de drogas, profanidades, ser sexualmente explícito e de temática adulta”. O que é difícil de compreender, nem nudez há.

É ainda de sublinhar que dois outros títulos da lista, George de Alex Gino e I Am Jazz de Jessica Herthel, Jazz Jennings e Shelagh McNicholas, têm personagens transgénero, e segundo quem contestou, apresentam por isso mesmo “pontos de vista ofensivos”.

A lista, publicada anualmente, é definida pela própria associação como um “índice de ansiedade da América vigente”.

Sketch du Jour #407

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Pág. da esquerda, de cima para baixo.

Parte II

Enquanto era torturado, Mamede foi visitado por um anjo que lhe revelou: “Mamede, pá, só deixas de apanhar no costado, quando fugires para as montanhas!”. E foi o que aconteceu.

Infelizmente, Mamede tinha pernas curtas e a meio da fuga foi apanhado por Aureliano. Sem demora, este decretou que Mamede fosse atirado aos leões, mas estes em vez de o comerem, apaixonaram-se por ele.

Mamede fugiu com um dos leões, que o acompanharia para toda a vida, e durante muitos anos pregou para os animaizinhos dos campos e das montanhas.

Pág. da direita.

Parte III

Levado pela fé, Mamede decidiu ir ter com o primo, o Duque Alexandre, mas este condenou-o à morte. Atravessado por um tridente, Mamede, ainda assim, tentou uma fuga.

Ferido de morte, e com pernas curtas, Mamede não foi longe, acabando por morrer na arena de um anfiteatro. A sua alma foi levada, alegremente, para o céu por um par de anjos que naquela tarde estava de serviço.

Mamede é santo padroeiro de quem ossos partidos, sofre de hérnias, de quem amamenta e dos animais. Acontece que quando a Effie disse que aquele santo era o “Mamas”, respondi que tinha piada, porque em português significava “boobs, you know”. E como naquele momento não sabia o nome dele em português, pensei logo: “só pode ser santo padroeiro dos animaizinhos e das gajas boas”.

Nota: continuação da página anterior.. Isto foi desenhado e escrito nas férias e sem pensar muito, portanto, fiz uns pequenos ajustes em relação ao texto que está na imagem.

Sketch du Jour #406

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Pág. da direita, de cima para baixo.

Άγιος Μάμας
São Mamede de Cesar[e]ia

Quando estava no escritório da Effie, em Andros, perguntei-lhe que santo era aquele que estava em cima do leão. Ela disse-me que era “Agios Mamas… Saint Mamas, you know?”. Não sabia quem era, depois pesquisei e vi que era São Mamede, nascido em Cesareia (Kayseri, Turquia) em 259, adorado pelos cristãos ortodoxos e católicos.

Os pais dele, Theodatus e Rufina, foram presos por serem cristãos, e mais tarde, acabaram por ser executados. Mamede foi então adoptado por uma senhora muito rica, Ammia.

Ammia morre, Mamede é perseguido por ser cristão, e como os [seus] pais, é preso e torturado, primeiro pelo governador Democritos e depois pelo imperador Aureliano (270-275).

Nota: isto foi desenhado e escrito nas férias, há nesta transcrição pequenos ajustes em relação ao texto que está na imagem. Continua nesta entrada.

Como Fazer Uma Grelha de Quadradinhos em 5 Minutos

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Ou até menos. Depende da rapidez.

Acontece muitas vezes, durante workshops e até olhando para autores amigos ou com quem trabalhei, observar com atenção como é que desenham uma grelha de quadradinhos numa prancha de banda desenhada. Às vezes fico bastante perplexo com o tempo e a complexidade que investem, puxando linhas atrás de linhas, usando esta e aquela régua. Também há casos em que desenham a grelha no computador, imprimem e usam a mesa de luz, ou então, desistem e compram um bloco de pranchas prontas a usar.

Ainda que numa versão simplificada, passo a explicar um modo rápido e muito eficaz de fazerem uma grelha.Precisam do seguinte: X-Acto, lápis (de grafite mole), um esquadro e um cartão duro com o tamanho da vossa prancha. No cartão desenham uma grelha com as margens, dimensões e número de quadradinhos que pretendem. Neste exemplo, usei uma de 6. Desenhada que está a grelha, com o X-Acto, cortem e retirem o interior dos quadradinhos. Coloquem o cartão em cima da vossa folha e marquem a grelha a lápis.

Reparem que a grelha original que usei tem 6 quadradinhos, mas isso pode variar consoante o que preciso para cada prancha, já que podem unir na vertical e na horizontal, como podem ver na imagem.

E pronto.

“How To Make A Panel Grid In Five Minutes”, a handy tip for beginners, english version at Jessica Abel and Matt Madden’s Drawing Words & Writing Pictures website.

Como Afiar Um Lápis

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Esta curta-metragem com o cartunista David Rees é uma sátira, mas afiar lápis não deixa de ser um assunto sério. Fica aqui uma dica que não é mencionada na curta: só conseguem afiar um lápis, com facilidade e excelentes resultados, se não o deixarem cair.

A explicação é simples, quando o lápis cai, a grafite parte ou fissura, por isso é que quando estamos a afiá-lo (ou a usar) a ponta quebra com frequência. Ter uma boa aguça (apontador no Brasil) também ajuda, tanto para lápis de grafite como para os de cor, porque a firmeza e gordura dos materiais é diferente. Desde há muitos anos que uso uma fiel e segura Möbius+Ruppert, que é um bocadinho cara, mas compensa largamente. Uma faca bem afiada ou X-Acto são outras duas opções, mas como diz a sabedoria popular, mais vale um lápis mal afiado do que um dedo cortado.

Excellent short with David Rees. A satire, but sharpen pencils is a serious matter. And I think he missed something: you can only sharpen a pencil, easily and with excellent results, if you don’t let it fall down. Because when a pencil falls down the graphite core breaks or fissures. That’s why sometimes when you sharpen a pencil (or when you are drawing) the tip keeps breaking down. Simple as that.
Having a good pencil sharpener helps, and should be different for graphite or color pencil, since the core materials don’t have the same properties. I use a faithful and secure Möbius+Ruppert. A bit expensive, yes, but absolutely worth it. A very sharp knife or a X-Acto knife are other good options. But beware, newbies, you may cut your fingers off.

Quotes On Comics: BD Generativa

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O Quotesoncomics.com chegou às 1000 citações, para assinalar isso, lancei uma banda desenhada generativa tirando partido de citações retiradas aleatoriamente da base de dados para criar um diálogo sobre bd.

Basta refrescar a página ou carregar no botão, e pronto, temos uma nova banda desenhada, ou para ser mais exacto, um novo diálogo, já que o desenho de fundo é sempre o mesmo. Também é possível ver a quem pertence uma determinada fala, basta clicar no respectivo texto para ter acesso à citação original.

Sendo generativa e experimental (um mal nunca vem só…), significa que tanto pode gerar um bom diálogo, sério ou com piada, como um absolutamente incongruente ou surreal, ainda que estes às vezes façam mais sentido do que algumas conversas que tive e ouvi sobre banda desenhada.

Vai na versão 3.2, conto ir aperfeiçoando os resultados, assim como variar o fundo.

Vão até lá e experimentem!

Quotesoncomics.com reached 1000 quotes. To celebrate that we launched a experimental generative one-page comic using random quotes from our database to create dialogues about comics. Some make sense, others not and some are — well — surreal, to say the least. You can check the original quote by clicking on the text. Please, reload the page or hit the button in the end to get a new dialogue!

Drawn: Um Adeus

John Martz anunciou, há poucas horas, que o Drawn! iria fechar. Não uso o termo acabar, porque a internet tem uma memória longa, muito longa. Portanto, em algum lado ficará. Duvido que quem esteja ligado a ilustração, banda desenhada e animação desconheça o Drawn! e a influência que teve. Mudou carreiras, deu a conhecer e alargou perspectivas, pessoalmente tive a sorte do QuotesonComics.com ter sido lá mencionado, o que (a par de outras menções) trouxe uma avalanche brutal de visitantes.

Não escrevo esta entrada com uma ponta que seja de saudosismo, porque na internet 2005 soa a 1905 e os blogs (tirando excepções e aqueles que se foram aglomerando em consórcios de publicação) são quase passado. Imagens há muitas, para todos os gostos e em todo o lado e os processos de publicação estão cada vez mais rápidos, partilhar e distribuir são feitos num estalar de dedos e em vários sítios em simultâneo. Hoje mais no Tumblr ou no Facebook, amanhã ninguém sabe (mas aposta). Daí que John Martz comece o texto de despedida, “Drawn 2005-2013”, indo ao centro da questão.

Have you heard of these things called blogs? Blogging wasn’t new in 2005, but it was still a niche hobby for the technologically minded.

E depois, mais à frente, avance com argumentos para o fecho.

In a 2013-era Internet that allows artists to share their work easier than ever and to a bigger audience than ever, and for anyone to start a Tumblr or a Pinterest account to collect and curate their own inspirations and influences, a 2005-era link blog like Drawn grows increasingly irrelevant.

O que é verdade, ainda há pouco lá fui e pensei: o Drawn ainda existe?! Às vezes penso exactamente a mesma coisa sobre o meu blog (ainda existe?!?), porque para ser sincero, a minha vida como dele mudou, o entendimento que tenho da net e tecnologia também. E tenho cada vez menos tempo e menos paciência para manter o meu blog, um peso que arrasto desde sei-lá-quando, que cada vez é menos actualizado e menos sentido faz. Mas pronto, gosto de guardar coisas, podia dar-me para pior. Falta-me o rasgo que John Martz teve, perceber o óbvio e fechar portas, mas se calhar a diferença está aí e foi isso que fez do Drawn! um grande blog.

E pronto está dada a notícia.

Harvey Pekar: Um Adeus

Morreu Harvey Pekar, pioneiro da BD dita alternativa e autobiográfica. Pessimista convicto, cronista do vazio e do quotiano, com tudo de bom e mau que há nisso, desde a real pulhice ao pequeno acto de valentia. Argumentista [dizia que era incapaz de desenhar o que quer que fosse], ficou conhecido pela série American Splendor, na qual participaram, Robert Crumb, Chester Brown, Drew Friedman e Dean Haspiel, entre outros, e que em 2003 seria adaptada para cinema por Shari Springer Berman e Robert Pulcini. Controverso e conflituoso, inspirou e serviu de modelo a muitos autores e argumentistas. Mais do que obra, deixou-nos, literalmente, um pedaço de história de vida. Dele e da América.

Casa da Animação: Oficina de BD

Oficina de Bd - Casa da Animação, Porto - Julho 2010

Nos próximos dias 3, 10, 17 e 24 de Julho, vou orientar na Casa da Animação, Porto, uma Oficina de Banda Desenhada. As inscrições já estão abertas e podem ser feitas através do endereço mail@casa-da-animacao.pt ou pelo telefone 22 543 27 70.

A oficina tem uma forte vertente prática e está aberta a todos, para obterem mais informações basta visitarem o blogue oficial da Casa da Animação.

O nível é de iniciação, por isso mesmo, a oficina segue um programa de exercícios práticos, experiências e exemplificações que orientam e acompanham os participantes ao longo de cada uma das etapas da realização de uma banda desenhada, desde a ideia inicial até à arte final. Explorando a articulação entre desenho e escrita, ritmo narrativo e ordem visual, técnicas e estilos, a oficina é aberta ao público em geral, com ou sem formação artística, do simples curioso, ao bedéfilo convicto.

Não há desculpas para não participarem: decorre sempre aos sábados, todos os trabalhos serão incluídos numa exposição colectiva a decorrer na Casa da Animação, estando ainda prevista a edição dos mesmos numa publicação em formato digital.